Todo mundo tinha ido. E não tinha sobrado ninguém - até tinha, mas ninguém na verdade que causasse na gente aquela sensação de querer ser mais legal, mais descolado do que a gente é. É isso o que eu quero dizer. Toda a gente que parecia ter algo rolando em suas vidas, todos eles, eles sim, tinham ido embora. Não sobrou ninguém. Mas eu me perguntava, olhando ao redor, metaforicamente, eu me perguntava o porquê dessa preferência nova. E ainda, dessa dissociação com o todo em que eu estava - e estou - metido. Não é de todo mal, nunca foi. E ainda assim, se só eu é que fico aqui, (e todas as pessoas com quem ninguém quer se entreter), se só fico eu então também não tenho pra quê.
E foi com, ou ainda, em meio a, esse questionamento todo que eu saí daquela sala suja, num casebre sujo, fedorento, que ninguém devia usar, nem antes, nem quando todo mundo vivia aqui. Mas era a única coisa, no meu campo de visão, que me fazia lembrar de como as coisas eram. Anos antes, certamente antes de se tornar um lugar sujo e fedorento. Quando o mais importante era só ser jovem e ser a gente mesmo e fazer o que quer que fosse. E não pense por favor que isso foi na minha infância, eu sei que não expliquei nada, mas eu estou falando de menos de dez anos atrás, antes de todo mundo abandonar o Vale dos Lírios - um nome bonito mas que em verdade não durou muito tempo, e, pra dizer a verdade, que eu me lembre nunca houve lírios aqui. Mas eu posso estar errado. Eu devia estar errado. Como você deve ter entendido, eu não duvido de sua inteligência, a terra sobre a qual eu me sento, e o lugar que me causa toda essa inércia é uma vale, como qualquer outro, perto de uma cidade como qualquer outra mas longe de todo o resto. E não tem nada de metafísico nisso, esse país é gigante, e tem muita coisa aqui que você não esperava encontrar, simplesmente botando o pé pra fora de casa. É por isso que ninguém faz isso. Bom, eu quero dizer, até o dia em que fez, e é esse precisamente o ponto de toda essa enrolação. Todos foram embora.
E não pense você por um segundo que algo ruim aconteceu ao meu precioso vale, ou às pessoas que aqui estavam. E é isso também que me intriga. O que se passou foi que, meio da noite para o dia, todas as vinte e cinco famílias que aqui moravam - e veja, em total reclusão do que os 'normais' consideram ser mundo - todas as vinte e cinco famílias, inteiras, foram embora. E veja, como eu estivera entre uma viagem e outra, eu, como se costuma dizer, perdi as novas, que aliás já são velhas, segundo me dizem, pois que toda essa comoção ocorreu, sem grandes problemas, há duas semanas. Duas semanas! Carruagens, jumentos e trouxas levando os seus pertences, tudo.
E eis que, chegando finalmente ao presente, pela manhã eu me chego aqui, cansado, atordoado, e, afora os retardados dos Pereira, não encontro ninguém. Porém, caso estranhíssimo, a comida toda em cima da mesa, estragada a esse ponto e um cheiro horrível! Logo se vê, que um lugar assim abandonado logo se torna lar de novas criaturas, e que na natureza nada é perdido.
E é portanto com essa reflexão, que não impede entretanto minha cabeça de ferver, que me pego sentado no pórtico há não menos que duas horas, se não me engana o sol.
Nenhum comentário:
Postar um comentário